Avaliação de Sociedades Empresárias

Este artigo trata da importância de os sócios de Sociedade empresária determinarem, de forma clara e
precisa, o método de avaliação patrimonial da Sociedade para fins de cálculo do reembolso devido ao sócio que deixa a Sociedade, como resultado da liquidação de sua participação societária.
Liquidar a participação societária (designada quota, nas sociedades limitadas, e ação nas anônimas)
significa calculá-la em valor financeiro, “que é sua significação em termos de moeda”1 , com base no valor da Sociedade, que fica obrigada, em regime solidário com os demais sócios, a pagar ao sócio retirante o valor em dinheiro. Na constituição de Sociedades, as várias partes (sócios) geralmente direcionam os seus interesses para as questões relativas à administração da empresa, às contribuições ao capital social, à distribuição dos lucros e das perdas2 , subjugando a importância de estabelecer normas de determinação do valor (valuation) da Sociedade, aplicável aos casos em que a participação societária de sócio é liquidada como consequência de um evento relacionado à perda, total ou parcial, da sua qualidade de sócio.

A liquidação da participação societária pode decorrer de eventos previstos em lei ou contratado pelas
partes. Na lei, a participação societária será liquidada, entre outros casos, quando (a) o sócio exercer o
direito de retirada, nos termos do art. 1.029, Código Civil 3 e do art. 137 da Lei 6.404/764
(Lei das S.A.); (b)
nos casos de falecimento de sócio (quando os herdeiros não são admitidos na Sociedade); (c) por
requerimento do cônjuge ou companheiro do sócio cujo casamento ou união estável terminou, de modo a
viabilizar o acesso, pelo cônjuge ou companheiro não sócio, ao valor financeiro correspondente à metade
do valor da participação societária detida pelo cônjuge sócio.
Em acordo entre as partes, pode-se estabelecer, por exemplo, a liquidação forçada da participação
societária a pedido de sócio investidor caso a Sociedade investida performe abaixo de uma determinada
métrica combinada no contrato de investimento.
Em qualquer evento de liquidez, portanto, é ideal que as partes tenham pré-definido o método e o
procedimento de determinação de avaliação da Sociedade.
Essas normas de determinação, bem detalhadas e pensadas, são valiosas porque: (i) eliminam conflitos
futuros ou pelo menos reduzem a margem de discussão, (ii) permitem o exato conhecimento do risco
econômico a que está sujeita a Sociedade nestes casos de desligamento de sócio5
, e (iii) podem limitar ou
prevenir comportamentos “egoísticos”, como uma saída oportunista num momento de crise que se
aproxima.

1
PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Finanças e demonstrações financeiras da companhia: conceitos e fundamentos. 1ª ed.
Rio de Janeiro: Companhia Editora Forense, 1989, p. 159.
2
ASCARELLI, Tulio. Problemas das sociedades anônimas e direito comparado. 1ª ed. Campinas: Bookseller, 1999, p.
377.
3
Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo
indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo
determinado, provando judicialmente justa causa.
4
Art. 137. A aprovação das matérias previstas nos incisos I a VI e IX do art. 136 dá ao acionista dissidente o direito de
retirar-se da companhia, mediante reembolso do valor das suas ações (art. 45), observadas as seguintes normas:
(Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001)
5
Fábio Konder Comparato. Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial | vol. 3 | p. 1177 – 1190 | Dez / 2010
DTR\2012\1846
Na ausência de critério definido para fins de cálculo do valor devido ao sócio que se desliga da Sociedade,
incidirá, em regra, o critério geral previsto em lei. Nas limitadas, o critério previsto na lei é o da apuração
do valor patrimonial em balanço de determinação, avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e
intangíveis, a preço de saída (valor de mercado), além do passivo também a ser apurado de igual forma
(art. 606 do Código de Processo Civil6
e art. 1.031 do Código Civil7
).
Nas sociedades anônimas, salvo disposição contratual em sentido contrário, a metodologia clássica do
reembolso, no direito brasileiro, é o da apuração do patrimônio líquido a valor contábil, constante do
último balanço aprovado em assembleia geral, e não com base em seu valor de mercado.
A questão que se coloca aqui é que os sócios, quando não combinam previamente o critério de apuração
do valor de sua participação ou o fazem de modo não racional e consciente, ficam sujeitos, no futuro, ao
peso dessa decisão.
A propósito, nenhum desses critérios previstos em lei (balanço de determinação ou balanço patrimonial
contábil) contemplam, no cálculo, a capacidade da Sociedade de gerar fluxos de caixa livres para
distribuição aos sócios, isto é, a sua capacidade de gerar lucros, o que pode afetar de forma negativa o
valor devido ao sócio retirante, beneficiando, por outro lado, aqueles que permanecerão na empresa.
Imagine-se, assim, uma sociedade que se dedique à prestação de serviços, com baixo patrimônio, mas
grande capacidade de gerar lucros. A avaliação pelo patrimônio líquido, mesmo se apurados os ativos a
valor de mercado, não englobará os fluxos futuros de receitas, na medida em que, no balanço, não há
nenhuma conta desta natureza.
Assim, os sócios devem estar atentos para o que desejam nas hipóteses de liquidação da participação
societária. E isto está diretamente ligado ao tipo de atividade exercida pela Sociedade. De forma ampla,
podemos agrupar as atividades que qualquer empresa pode empreender em três categorias: (a) Atividades
Operacionais: explorando o segmento de atividade escolhido pela sociedade, por exemplo, comprando e
vendendo produtos, serviços, construindo, desenvolvendo etc.; (b) Atividades Financeiras: levantando
capital, por meio de empréstimo ou emissão de equity, para emprestar ou transferir o dinheiro para outras
pessoas em troca de remuneração; e (c) Atividades de Investimento: fazer investimentos de capital,
comprar ou vender ativos não operacionais, comprar ou resgatar instrumentos financeiros ou outros ativos
não mantidos para revenda.
Portanto, para cada tipo de atividade haverá um critério que melhor representará a realidade financeira e
patrimonial da Sociedade. Retomando o exemplo acima, na sociedade de baixo patrimônio, mas com
grande capacidade de gerar lucros, caso se deseje pagar o valor mais próximo do valor de mercado da
Sociedade, melhor seria adotar, como critério, o valor econômico da Sociedade, ou o do Fluxo de Caixa
Descontado, ou em múltiplos do Ebitda8
.

6
Art. 606. Em caso de omissão do contrato social, o juiz definirá, como critério de apuração de haveres, o valor
patrimonial apurado em balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se
bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual
forma.
7
Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo
montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação
patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.
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Significa Lucros antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização, que é a tradução da expressão em inglês
Earnings before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization.
Mas não basta apenas eleger o critério. Para que a escolha seja segura, é indispensável também detalhar o
procedimento de apuração, eliminando as variáveis e a aleatoriedade, na medida em que os reports
financeiros da Sociedade carregam determinado grau de subjetividade, cujas decisões cabem à
administração e podem nem sempre refletir a realidade.
De fato, em certa reunião de acionistas, Warren Buffet disse de forma provocativa: “regardless of how our
business might be doing, [we] could – quite legally – cause net income in any given period to be almost any
number we would like”
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Ressalta-se, por fim, que não é objeto desta análise a precificação do valor da participação societária em
negócios jurídicos que envolvam a sua transferência/alienação, em que as partes têm plena liberdade para
definir o preço. A questão é aqui é a de apuração de haveres, em razão de desligamento de sócio da
Sociedade.
Caso os sócios não tenham feito tal definição na constituição da Sociedade, ou desejem rever o critério
definido, podem celebrar alteração do contrato ou estatuto social, ou ainda celebrar ou aditar acordos de
sócios, com aplicação de efeito imediato.
Vitória, 17 de julho de 2020.
Por: Rafael Dalvi Alves

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Independentemente de como nossos negócios estejam indo, [nós] poderíamos – legalmente – fazer com que o lucro
líquido em qualquer período seja quase qualquer número que gostaríamos.